Provavelmente você já deve ter ouvido alguma música em algum momento da sua vida e por ela por ocasião nunca mais ficou esquecida para você, se sim, gostaria que pensasse nela nesse instante, se eu tocasse alguma parte de seu ‘motivo', isto é, o menor fragmento musical identificável, você com certeza o reconheceria rapidamente, por que isso acontece? É a reflexão que gostaria de trazer para este artigo e trazer algumas hipóteses interessantes, num enfoque um pouco interdisciplinar, por assim dizer, com cultura.
Antes de mais nada é interessante entender o processo criativo daquele que cria, sendo este, o compositor. É claro que entraremos num ambiente muito flexível e diversificado, onde cada um desenvolve seus modos de fazer unindo a educação que recebe, mas me esforçarei em tratar aspectos mais gerais e psicológicos, me abstendo de argumentar sobre os seus movimentos mais internos durante a composição. Em seguida partiremos para investigar um pouco sobre a mente do ouvinte.
O compositor é alguém complexo, que com sua obra almeja atingir algum objetivo, quando este veste em si o discurso musical está querendo sobre ela criar algum vínculo com si próprio e o ouvinte posteriormente, gerando uma mensagem. Às vezes o objetivo é pouco claro de início, onde a criatividade e um fluxo de ideias obscurecem o ideal final, contudo, entende-se claramente aquilo que não se busca. Ele é como um grande sonhador que narra suas histórias através dos sons que a ele são interessantes para tal, pois do mesmo modo, é muito difícil entendermos um sonho em sua totalidade e lembrarmos fielmente de seus detalhes ao acordar, e assim ocorre com aquele que traduz seus sentidos muitas vezes incompreensíveis com a arte, de tal modo que é muito comum o compositor estabelecer limites a si próprio no momento inicial, mesmo inconscientemente, isso pode ocorrer através do número de instrumentos, tom, qual harmonia ele utilizará, escalas musicais… Pois é essencial para ele compreender suas ideias de maneira mais fixa, de modo que sua "tradução" seja mais fácil, isso impede também que as ideias muito distantes de seu objetivo esbarrem no discurso e comprometam a estruturação da obra.
Igor Stravinsky, um grande compositor do século XX, já dizia que a arte por si só é livre quando a ela impomos limites (Poética Musical em 6 Lições), pois a sua criação se torna uma luta entre a variedade (sendo a infinidade das possibilidades que este encontra), e a unidade (aquilo que encontramos muitas vezes impondo limites, na qual cria um contexto a obra). Se a música se encontra apenas no campo da variedade, ela facilmente se torna desequilibrada e o discurso pouco coesivo, por outro lado, usando apenas da unidade, ela sequer poderia existir ou, no melhor dos casos, permaneceria monótona e pouco interessante.
Compreendendo seu ideal e limitando a sua mente dentro de seus aspectos, o músico une os elementos musicais de acordo com sua pretensão até julgar concluída. A música final é a sua mais pura expressão, conforme o que é possível com a sintaxe musical e sua educação.
Feita a música, precisamos criar dois planos de discussão para continuar a análise. O do criador e o indivíduo de fora que a escutará, pois inevitavelmente a obra do compositor entrará em uma forte abordagem com o entendimento daquele que escuta, e que de fato, o último é tão difícil de entender quanto o primeiro. Mas uma coisa que os dois entram em comum provavelmente será a utilização da obra como um meio comparativo a sua própria cultura, a música que mais se aproxima de sua cultura é aquela que mais fortemente gerará um vínculo, pois os sons e a harmonia usuais são em sua essência absorvidos em sua própria vivência e conhecimentos que aprendeu a partir do coletivo. Como, por exemplo, qual tipo de instrumento ou harmonia combina mais com tal tipo de emoção, que atire a primeira pedra quem nunca ouviu um tema triste de algum filme utilizando como principal instrumento um violino ou piano, isto é um fator culturalmente aprendido, ou mesmo os métodos de composição mais usuais e apreciados por uma população. Note que em nenhum momento é necessário que estes tenham que aprender como se constrói uma harmonia em sentidos mais teóricos, ou necessite se esmiuçar em compreender os aspectos mais profundos da criação para apreciá-la. Aprender padrões comuns e identificar qual estilo mais o agrada parece ser o necessário.
Tendo a cultura como um “norte” restará a eficiência do criador em discursar ideias com base nesta própria, pois assim como a linguagem escrita, não basta uma história em português e ambientada no Brasil para que nós brasileiros conseguimos nos familiarizar, por mais que seja um elemento facilitador, nós devemos também fazer o outro entender nossa mensagem. E nisso está a importância de um bom motivo musical.
Gosto de pensar, quando vou compor, em criar uma música em que mesmo retirando o máximo de seus elementos, aquele importante fragmento musical em sua minimidade, muitas vezes na melodia, persiste e permanece de mesmo modo um potente comunicador. É o primeiro fator que utilizo para entender se meu discurso ficou claro e que provavelmente permanecerá pelo menos minimamente na cabeça de alguém que terminar de escutá-la, pois não há como prever em totalidade o que sentirá o outro com a música comparado ao que sinto criando-a, contudo, poderei ter certeza de que está coeso o elemento mais essencial para que a obra “viva” dentro de sua mente.
Acho que o exemplo mais batido do que quero dizer é a quinta sinfonia de Beethoven, logo no primeiro movimento, pois usa um ritmo que pode ser assemelhado ao bater de uma porta, não é à toa que ficou conhecido como sinfonia do destino, onde o destino está batendo na porta. Os menos conhecedores da obra do autor não vão lembrar dela pelo nome, mas sim, por aquele pequeno trecho inicial, que mesmo desprovido de qualquer nota, apenas utilizando o ritmo, poderá ainda talvez ser reconhecido.
Um fenômeno bem grande hoje que traduz essa conexão da música com o ouvinte é as tais músicas de memes, como chamo aqui, muitas vezes elas nunca tiveram uma relevância tão grande quanto ao momento em que foram atribuídas a alguma imagem engraçada, o mesmo pode se dizer para músicas em filmes ou games. A mídia visual é um elemento facilitador fortíssimo para criar a imagem comparativa necessária para o vínculo emocional, pois se a mídia está em proximidade com o panorama cultural, a música consegue invadir esse espaço com muito mais facilidade e gerar a familiaridade necessária para torná-la assim inesquecível na mente do ouvinte. Não é à toa que o fenômeno da globalização aumentou em muito a proximidade das músicas com padrões de certos gêneros musicais ocidentais, até mesmo onde recentemente nunca se havia feito tal intercâmbio.
Em suma, podemos notar que a cultura é um importante fator para o sucesso de uma obra e gênero musical, sendo, portanto, um dos elementos que tornam uma melodia ou motivo “inesquecível”, assim também aquilo a qual ela está vinculada dentro da mente de quem escuta, que muitas vezes só é possível se sua estética está dentro da familiaridade e do gosto pessoal do indivíduo, ela pode estar sobre uma mídia, alguma emoção interna ou momento da qual vivencia(ou) por exemplo, como também é importante a eficiência do músico que compôs em transmitir a mensagem pretendida com base em seu ideal inicial, que começa antes mesmo de a música estar completa. Agora, como esta mensagem é transmitida dentro dos padrões musicais do ocidente é algo que gostaria de discutir posteriormente, trarei alguns exemplos e ideias que qualquer compositor poderá aplicar em suas obras, só não faço nesse momento, pois poderia assim me dispersar demais da reflexão pretendida.
Até a próxima!
Muito bom. Parabéns 👏👏👏